SOBRE PSICOSE


“O TRATAMENTO DA PSICOSE EM INSTITUIÇÕES DE SAÚDE: OBSERVAÇÕES NO INSTITUTO A CASA.”

Por Cynthia Marsola - Trabalho realizado em estágio (11/2007)

INTRODUÇÃO

Nossa proposta de estágio está voltada inicialmente, a observação in loco, num hospital dia com pacientes psicóticos e neuróticos graves. Privilegiando todas as formas de expressões verbais ou não-verbais que nosso paciente expressa. Paciente este, que deverá ser acolhido pela equipe e pela instituição, de modo que possibilite um compartilhar de interações sociais e, não uma acolhida que já conhecemos, e, que privilegiávamos, como sendo a melhor eficácia, o isolamento e a medicação. Acarretando, a impossibilidade de um sentido para si e uma própria identidade.

O hospital - dia A Casa, baseia-se num contexto em que, a ênfase consiste em criações e elaborações realizadas não só pelos profissionais, mas, numa compreensão e limitação individual, onde cada paciente tenta “esboçar” sua própria maneira de estar neste seu mundo, que também é o nosso. Oferecendo várias atividades ao longo do dia, (já que o paciente não é internado, entra pela manhã por volta das 9:00 e sai em torno das 17:00) tais como: grupos de psicoterapia e terapia ocupacional , grupo de encontro, de passeio, reunião de família e serviço de atendimento de emergência.

Segundo o psiquiatra Márcio P. S. Leite, em seu artigo na revista mente e cérebro (2005) diz , “(...) a loucura deixou de ser universal, uma loucura de tudo e de todos, uma loucura dos deuses que criaram uma loucura do mundo, e passou a ser uma loucura de cada um que, levando em conta o particular deste sujeito, passou a ser apenas loucura dos homens. No entanto, é uma armadilha pensar a loucura com a linguagem da razão, porque a loucura constitui um saber recusado pela própria produção. A loucura propõe-se como a razão da desrazão (...)”.

“(...) O sujeito para a psicanálise não é a consciência, não é a experiência,
não é o sentido; ele está constituído por uma verdade. (...)”

Por estas e outras razões e desrazões, acredito numa intervenção e num cuidar diferenciado dos que tem nos mostrado, e que no meu modo de relacionar-me com o paciente psicótico não condizia, como cita Tavolaro (2004),

“(...) o manicômio tornou-se um “depósito de loucos”, superlotado, com os horrores dessa situação: fome, sujeira, doença, violência.(...)”

Minha escolha por este tema, foi feita também por conta de ser um olhar diferente, do tratar diferente deste “louco”, dos até então itens demonstrados acima e pela paixão que tenho pela doença mental.

Como diz Pereira (1984), no seu livro “O que é loucura”,

“(...) A loucura não expressa os verdadeiros mistérios do mundo, mas
oferece ao homem a verdade de si mesmo, isto é, suas fraquezas,
seus sonhos e suas ilusões. Portanto, a loucura existe nos indivíduos
humanos, isto é, há diferentes formas humanas de loucura. E cabe à
crítica moral denunciá-las, ou seja, denunciar as ilusões nascidas do
apego que o homem mantém por si mesmo.(...)”

REFLEXÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO

Um novo significado foi dado, à partir de uma nova realidade sobre um tema que “sempre” foi nos mostrado amedrontador, haja visto, o olhar da sociedade sobre a loucura. Mas, o que será esta loucura, senão uma nova maneira de lidar com um sofrimento, uma tristeza, um vazio.
Claro que depende da época em que iremos focar, o significado será outro, portanto, a maneira de tratá-la também.

Segundo Foucault (2000), em seu livro “Doença mental e psicologia” cita:
”Na patologia mental, dá-se o mesmo privilégio à noção de totalidade psicológica; a doença seria alteração intrínseca da personalidade, desorganização interna de suas estruturas, desvio progressivo de seu desenvolvimento: só teria realidade e sentido no interior de uma personalidade estruturada. Neste sentido tentou-se definir as doenças mentais, segundo a amplitude das perturbações da personalidade, e daí chegou-se a distribuir as perturbações psíquicas em 2 grandes categorias: as neuroses e as psicoses”.

As psicoses, são perturbações da personalidade global, comportam: um distúrbio do pensamento (pensamento maníaco que foge, flui, desliza sobre associações de sons ou trocadilhos, pensamento esquizofrênico, que salta, ultrapassa os intermediários e procede por saltos ou contrastes) (...)”.

Nas neuroses, pelo contrário, somente um setor da personalidade é atingido: ritualismo dos obsedados com respeito a um objeto, angústia provocadas por tal situação na neurose de fobia. Mas o fluxo do pensamento permanece intacto na sua estrutura(...)”

A personalidade torna-se, assim, o elemento no qual se desenvolve a doença, e o critério que permite julgá-la, é ao mesmo tempo a realidade e a medida da doença.
Neste trecho recordo-me de uma experiência na Casa, onde estou conversando um pouco com o paciente S. que sempre tem algo interessante para contar e já nos direcionando para a oficina de bijuterias (à qual nós estagiárias, nos propusémos a ficar), dou início a atividade e, fazendo meu colar porém, atenta nas minhas observações S. senta-se entre eu e a J. (estagiária) e de repente, levanta meio impaciente e começa a chorar, só que da maneira que expressa seu choro todos achavam que ele estava rindo (...).

Aqui, fica uma reflexão sobre este ocorrido, que cada sujeito vai expressar sua “doença” da maneira e o modo que melhor possibilite sua falta, falta esta que poderá ser a de um significante.; (que segundo Lacan, corresponde a uma imagem acústica, ou gráfica do conceito).

De acordo com Soler (2007), em seu livro “O inconsciente a céu aberto” cita: “A psicose é pensada ali numa problemática que se situa no nível do Simbólico e do Imaginário, consistindo toda a questão no acolchetamento do Simbólico com o Imaginário.(...) De certa maneira, a ênfase é inversa à dada por Freud, que havia acentuado muito a pulsão sexual. É claro que Freud constrói também uma doutrina mais complexa, na qual prevalece a questão do mecanismo e que o leva a esta frase admirável para nós: “O que é foracluído do simbólico retorna no real.”
Ou seja, aquilo que foi foracluído do simbólico retorna como forma de alucinações, podendo ser: visuais, auditivas, olfativas e táteis. E, também por meio de delírios, (sendo que neste à uma forma de auto-elaboração e portanto uma tentativa de simbolizá-lo).

Lembro-me de uma outra experiência ocorrida num passeio, próximo da Casa, num parque, no dia da doença mental, onde a paciente R. com diagnóstico de esquizofrenia hebefrênica, surpreende-me numa atividade de teatro. Ela foi escolhida para desempenhar a filha de um casal, e de repente, a fala dela modifica-se de “eu acho que ... mais ou menos” , para “o amor tem que ser incondicional”. Neste momento eu e minha colega uma olha para a outra e, começamos a sorrir, um sorriso de emoção e ao mesmo tempo com os olhos marejados, sentimos uma satisfação de que esta paciente que tanto estudamos tem algo muito expressivo que nos afeta, mas que tem algo para nos dizer também.

CONSIDERAÇÕES FINAIS.

“A loucura pode estar embutida em cada um de nós” (J. Lacan)

Tenho neste presente trabalho, angariado experiências de profunda contribuição ao ter tido a oportunidade de presenciar uma das grandes demandas em nossa área profissional, os pacientes diagnosticados psicóticos.
Porém, durante várias visitas ao decorrer deste estágio, fui me deparando com pequenos detalhes tanto enquanto pessoa como profissional. Um dos primeiros entre tantos, foi o fato de que estando ao lado destes pacientes percebo que, um limiar muito tênue entre a “normalidade e o equilíbrio” nos separa, e que para nos tornarmos bons profissionais como diz: Calligaris (2004), em seu título “Cartas a um jovem terapeuta”,

“(...) é improvável que uma psicanálise aconteça sem que um sofrimento
reconhecido motive o paciente. O processo não é necessariamente
desagradável, mas pede uma determinação e uma coragem que podem
falhar mais facilmente em quem não precisa de tratamento. (...)”

Portanto, qual seria então a melhor forma de tratar uma das estruturas mais complexas?

Durante a supervisão foi nos orientado dentro de um olhar lacaniano, ao qual não foi fácil compreendê-lo em seus textos complexos, mas recorríamos também a sugestões de filmes e “comparações” com o nosso fundador da psicanálise, Freud.
Outra contribuição em minha vivência seria a de que está na essência do ser, em seu caráter e constituição personalítica, ter compaixão proporcionando ao outro aquilo que favoreça em seu processo de crise. E isto pode ser: um abraço, um olhar,um auxílio em colocar uma água no copo ou simplesmente estar ao seu lado, buscando restituí-lo em sua auto-imagem. Há uma responsabilidade em seus atos, há uma responsabilidade no como faz e no que faz, e isto pude observar diretamente no Instituto A Casa.
Por outro lado, a “anormalidade social”, delegada pela nossa sociedade acaba contribuindo numa desmoralização na recuperação ou como diz Lacan, numa tentativa de estabilização. Já que, “(...) a psicose apresenta-nos desencadiamentos repentinos, inesperados desencadeamentos – surpresa, assim como remissões às vezes enigmáticas (...)”, diz Soler.
Sabemos também, que muitas vezes uma das características deste nosso paciente ocorre através de seu vínculo com seu terapeuta, pois possibilita reviver suas relações de objeto, apesar de não ter esta consciência. Isto é o que chamamos de transferência.
Minha experiência mais significativa foi participar interagindo diante destes pacientes, durante suas atividades em momentos de crises e nos discursos que bem sabemos depois de vários textos citados, que um significado pode aparecer num delírio significante, basta ficar atento na escuta neste momento. O essencial é compreender como Soler (2007) diz: “(...) o estado do sujeito neurótico ou psicótico depende do que se desenrola no Outro (...).”

Quanto as dificuldades cito três momentos que me marcaram muito, o primeiro foi quando o paciente L. me viu a primeira vez, que foi no pátio, cumprimentei-o
da mesma maneira como foi feito com os outros e ele por um momento fica olhando-me profundamente nos meus olhos parado fixamente, neste momento olho para minha colega e procuro agir “normalmente”, porém ele pergunta se somos T.O (terapeuta ocupacional), respondo dizendo que não, e que fazemos psicologia. Logo, parece não ter gostado vira-se para ir embora.
Posso dizer que, fiquei um pouco intimidada, afinal estou iniciando e não sei o que seria o certo. Hoje sei que o certo também, é ter “bom senso” no agir, segundo uma T.O, mas não é só.

Depois num outro momento, estou na sala da T.O as atividades já estão acontecendo e de repente entra o paciente J, todo agitado perguntando por mim. E as T.O.S. responde está ali, e aponta para mim.Vou em sua direção com o meu olhar e cumprimento-o, fica mais tranquilo e sai da sala, em direção a sua.

Numa outra situação, no ambulatório, chegamos fomos cumprimentar a todos e um paciente o S. estava hiper agitado e começou a narrar um acontecimento do dia anterior com seu irmão, estava muito ansioso contando e argumenta que gostaria muito de falar isto para a terapeuta dele, porém a mesma diz para ele aguardar pois, está muito ocupada. E me pergunta se pode me contar o resto, digo o que ele achava e se sentiria bem me contando. Escolhe contar, nisso a terapeuta se aproxima e pela expressão facial parece não ficar satisfeita interrompe nossa conversa e pergunta ao S. se agora gostaria de conversar, ele diz apontando em minha direção que eu poderia explicar, afinal já falei tudo pra ela. Então digo, que o melhor seria ele dizer pois expressaria os sentimentos e emoções, e que a terapeuta o conhecia a mais tempo que eu. Peço licença e vou retirando-me.

Ás vezes, temos que tomar decisões que até então nos pareciam as mais simples, porém em outros contextos nosso olhar se modifica e acabam sendo longos processos de crescimento até decidir no que fazer.

Expresso aqui meus melhores sentimentos de gratidão, por esta oportunidade tão valiosa e batalhada, já desde a divisão de grupos pela escolha do estágio. Embora tenha sido sorteado, pois, a solicitação para esta opção foi muito grande, vários significados me foram desocultados e entendendo que para cada pessoa sua história tem um sentido muito maior do aquele simplesmente desvelado.

“ (...)Encontrei o significado da minha vida, ajudando os outros a encontrarem o sentido de suas vidas.(...)” (Viktor Emil Frankl)

REFERÊNCIAS:

-CALLIGARIS, C. Introdução a uma clínica diferencial das psicoses. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1989.

-CALLIGARIS, C. Cartas a um jovem terapeuta: o que é importante para ter
sucessoprofissional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

-BLEICHMAR, H. Introdução ao estudo das perversões:a teoria do Édipo em
Freud e Lacan. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984.

-FARJANI, A. C. Psicanálise e Quantum: a ligação entre a Psicanálise e a Física
Quântica. São Paulo, Plêiade, 1995.

-FOUCAULT, M. Doença Mental e psicologia. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro,2000.

-LACAN, J. O Seminário – livro 3: As psicoses . Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1997.

-LAPLANCHE, J. Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2001

-LEITE, S. P. Márcio. Revista - Viver mente e cérebro –Coleção memória da
psicanálise nº4.- A Lógica do Sujeito Lacan. 06/2005.

-PALONSKY, Cintia M. Estruturas clínicas na clínica: a histeria. Belo Horizonte:
PUC, Minas, 1997.

-PEREIRA, F. A. João. O que é loucura. Ed. Brasiliense, 1984.

-SOLER, C. O inconsciente a céu aberto da psicose. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2007.

-TAVOLARO, D. A casa do delírio. São Paulo : Senac, 2004.

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